Queridos
Recidianos,
Isso mesmo, “queridos” de querer partilhar,
somar e caminhar enredados, sonhando e construindo o sonho possível de ser
realizado, esta carta é mais uma construída por muitas mãos, pés e porque não
dizer por muitos corações. Caríssimos, por meio desta pretendemos
partilhar/socializar um pouco do contexto político, econômico e social do
Piaui, onde lançamos nossa REDE afora(ou adentro?),bem como nossa vivência em
gestão compartilhada, resultados alcançados, limites/desafios enfrentados e
tomara que consigamos colocar na escrita toda a riqueza vivenciada na
experiência.
A parte de contextualização do estado tomamos
emprestado da CARTA DO POVO DO PIAUÍ À SOCIEDADE E AOS GOVERNANTES, construída por muitas organizações (entre estas, a
RECID-PI), por ocasião do 19º Grito dos Excluídos. Como segue abaixo.
O Estado do Piauí possui uma área territorial
de 251.529 Km², com uma população de 3.145.325 habitantes e 224 municípios. O
Estado é uma região de muitos contrastes, complexa culturalmente e socialmente
e de muitas potencialidades econômicas: Rico
em mineração – níquel, ferro, opala, diamante, vermiculita. Possui solos
adequados para práticas agrícolas apropriadas, com rica biodiversidade da
caatinga, na qual se destaca o elevado potencial de exploração e produção de
alimentos. Potencial de irrigação dos vales úmidos, principalmente com a
perenização dos rios e os açudes públicos com elevadas reservas de água e
várias bacias hidrográficas (Poty, Pirangi, Parnaíba, Longá, Canindé, Gurguéia,
Uruçuí Preto, Piauí, Itaim). Há ainda a
agroindustrialização de produtos como a castanha de caju, o mel de abelha e o criatório
de rebanhos caprino, suíno, ovino, entre outros e, também, o turismo ecológico,
cultural, religioso e as diversas práticas artesanais. Todas estas
possibilidades não condizem com a situação que está vivendo o seu povo.
A seca no Piauí vitimiza um milhão de pessoas
sem o acesso à água de qualidade e a garantia de alimentos. Segundo a Defesa Civil e a Federação – FETAG,
192 municípios piauienses decretaram estado de emergência. E destes, 156 foram
reconhecidos pelo Governo Federal. Perda de 95% da produção de alimentos e
consequente falta de água para o consumo humano e animal gerando uma
mortalidade de 40% do rebanho bovino, caprino e ovino do Piauí. Vivem hoje, no
Piauí, 700 mil pessoas na situação de extrema pobreza, vivendo apenas com R$70,00
mensais (MDS).
O Piauí possui os mais altos índices
brasileiros de analfabetismo: 47% da população. Sendo 22% que não sabem ler e
escrever e 25% analfabetos funcionais. Destes, 24,37%, ou seja, 563 mil pessoas
estão na faixa etária entre 18 a 25 anos. No Brasil, 16,7% da população não têm
acesso à rede geral de água, esgoto e coleta de lixo. No Piauí, esse número aumenta para 44,8% da
população, o que, consequentemente, tem efeitos negativos na saúde e na
qualidade de vida do povo. Apenas 17% da população de Teresina é atendida por
rede de esgoto sanitário. A Assembleia Legislativa do Piauí tem 30 deputados,
entretanto, com o jogo de cadeiras do poder político, o Estado arca com os
custos de 44 parlamentares estaduais.
O desafio posto à
sociedade consiste em pensar um novo referencial de GESTÃO DO ESTADO E DA
APLICAÇÃO DOS RECURSOS PÚBLICOS, pois o modelo atual é gerador de maior
concentração de riqueza e de renda, negação de direitos e injustiça.Os
problemas do nosso Estado se sustentam em duas raízes comuns:a maioria da nossa
gente não tem conhecimento do que está acontecendo e não tem uma educação
política consciente para exigir seus direitos;a malversação dos recursos
públicos e o desvio de finalidades por seus gestores públicos municipais, estaduais
e federais.
Mantemos o nosso apoio e compromisso junto às
pessoas excluídas, visando à formação da consciência crítica, o fortalecimento
da mobilização social e a construção de uma identidade em comum na diversidade
dos povos.
VIVÊNCIA
DA GESTÃO COMPARTILHADA
Dentro do conjunto das ações na RECID-PI, temos
exercitado a vivência de gestão compartilhada em três dimensões (política,
pedagógica e econômica), mediante um processo que é vivenciado concretamente em
quatro momentos:
1- Oficinas de Formação Pedagógica;
2- Encontros Intermunicipais;
3- Atividades de Acompanhamento aos grupos;
4- Fortalecimento das Articulações e Parcerias.
Nas Oficinas de Formação Pedagógicas, acreditamos estar
fazendo gestão compartilhada quando os grupos de base realizam o planejamento,
decidem sobre as temáticas que constroem as agendas e têm autonomia para
mudá-los.
Nos Encontros Intermunicipais, tais atividades são
organizadas pelo coletivo local composto por educadores contratados, educadores
voluntários, membros dos grupos de base e parceiros que juntos decidem,
planejam, mobilizam e realizam o encontro.
Nas Atividades de Acompanhamento aos grupos, temos o
espaço onde o compartilhado flui com mais naturalidade. Quase sempre é um
momento para além do convênio e sem burocracia: são reuniões, assembléias,
brechó, festejos, visitas domiciliares, vivência na comunidade, planejamento de
manifestações, lutas dos grupos e parceiros.
O trabalho em parcerias é também um exercício de gestão
política da RECID que os educadores incentivam no cotidiano das microrregiões
buscando dinamizar e fortalecer o trabalho, estimulando o processo de
sustentabilidade da Rede.
A Rede de Educação Cidadã no Estado do Piauí vem se
aprimorando na prática de gestão compartilhada a partir da vivência do dia a
dia. O esforço da construção coletiva tem sido constante em nossa caminhada. O
envolvimento de educadores/as voluntários/as, desde o pensar, planejar e
realizar juntos, facilita a distribuição de responsabilidades e compromissos,
seja de natureza humana ou financeira.
A descentralização das informações com realização de
oficinas de GESTÃO COMPARTILHADA faz com que todos/as educadores/as voluntários
e liberados se envolvam nos processos de participação na organização e
realização das atividades, sobretudo nos encontros intermunicipais que
acontecem nas 04 grandes microrregiões.
A esse jeito de gestar os recursos públicos e planejar coletivamente
com responsabilidade, tem levado também à formação de um coletivo organizado e
capaz de realizar atividades e processos além da meta estabelecida pelo
convênio. É fundamental destacar a grande presença da Entidade Âncora Estadual
com sua experiência e compromisso em todos os processos, através das reuniões
de planejamento, monitoramento e avaliação do coletivo estadual.
RESULTADOS
OBTIDOS:
A RECID PI considera
que, mesmo diante das dificuldades surgidas na caminhada e dos inúmeros
desafios enfrentados, conseguiu resultados significativos que merecem serem
destacados, entre os quais: a teimosia e o esforço de educadores e educadoras,
contratados/as e voluntários/as, fazendo avançar e buscando aprimorar a
experiência e a prática de gestão compartilhada no Estado; o envolvimento de
educadores/as, sobretudo voluntários/as desde o pensar, planejar e realizar
juntos as ações representa grande manifestação de compromisso e de esperança e
favorece a distribuição de responsabilidades e ainda a qualificação das ações
desenvolvidas; a realização de oficinas de Gestão Compartilhada contribuiu para
ampliar o quadro de educadores/as capacitados/as em práticas de gestão coletiva
e contribuiu para garantir maior envolvimento dos/as mesmos/as no processo de
mobilização, organização e realização das diversas atividades desenvolvidas
pela rede; a elaboração do Caderno de Gestão do Estado, pela equipe de gestão
estadual, com participação direta da Entidade Âncora Estadual e sua utilização
pelas equipes microrregionais tem sido importante para melhorar a dinâmica da
gestão e ainda para o fortalecimento do trabalho de base; a experiência de
gestar os recursos públicos, planejando e executando coletivamente, transmite
maior transparência, possibilitando uso mais racional dos recursos disponíveis,
favorecendo a realização de mais ações, inclusive avançando além da meta
estabelecida pelo convênio. Por último, faz-se necessário destacar como sendo
de grande importância a presença efetiva da Entidade Âncora Estadual em todos
os processos, com ênfase ao acompanhamento aos grupos e a participação nas
reuniões e atividades de planejamento, monitoramento e avaliação das ações da
rede no Estado.
LIMITES
E DESAFIOS:
Como tudo que nasce, cresce e se desenvolve
na perspectiva de prosperidade a exemplo desse nosso experimento gestado no
seio de uma coletividade, vemos surgir na contramão dos resultados obtidos um
natural ressurgimento dos limites e desafios que de uma forma didática nos
aparecem seguidamente para nos pôr à prova daquilo a que nos desafiamos a construir
mediante os diferentes saberes, que se convergem nas diversidades de tantos
pensamentos que se fazem presentes. Dessa forma, tais limites e desafios se
fazem úteis e com uma aceitação bastante didática quando assim o entendemos
como elementos que nos convida a refletir sobre a superação das nossas
dificuldades, de encará-los como sendo elementos positivos de um contexto que
nos provoca, nos aprimoram e nos fortalece na prática cotidiana.
Fazendo-se necessário que compreendamos essa relação
dialética entre limites e desafios, é que pudemos ao longo desse ano de 2013
refletir e perceber os focos de fragilidades presentes, mas também de
resistência e de fortalecimento da nossa organização e luta para com o público
ao qual nos dispomos a caminhar junto, sendo a juventude o público mais
freqüente em todos os Microrregionais do Estado onde a Rede se faz atuante.
Dessa forma, entendemos esses dois aspectos como sendo uma problematização de
ideias e de conceitos que nos conduzem a um novo jeito de andar, de dar o
próximo passo na perspectiva da superação das dificuldades, do envolvimento das
partes e do fortalecimento da nossa organicidade refletida na ação cotidiana. A
cada passo dado, percebemos a construção de uma caminhada movida por fortes
utopias, porém com pés e mentes firmes, sinalizada por grandes avanços e por
elementos que configuraram limitações, nos chamando a atenção para: garantir uma dinâmica de funcionamento para
os Grupos de Trabalhos; promover uma consolidação do coletivo de entidades
parceiras no Estado; garantir a sustentabilidade da Rede; entender as
limitações apresentadas por uma gestão compartilhada; saber lhe dar com a baixa
credibilidade que a população tem nos convênios governamental; adquirir uma
maior atenção do Talher Nacional quanto ao acompanhamento ao Estado. Com
essa amplitude de elementos que caracterizam nossas limitações, ficamos a nos
questionar sobre até onde vão os nossos limites, de onde possam estar, e nem se
o mesmo existe, pois a cada passo dado conseguimos avançar rumo a um horizonte
que inclusive nunca alcançaremos, pois como nos diz Eduardo Galeano: isso é utópico, é isso que nos fortalece,
pois permite o nosso ato de caminhar, desafiando limites e superando desafios.
Desafios estes que nos surgiram com a mesma
intensidade e com a mesma importância para todos os que se disponibilizam a
serem construtores de uma infindável caminhada, de quem conduz na esteira
rolante da educação popular as ferramentas necessárias para romper com as
amarras que travam o fortalecimento do projeto popular de nação ao qual
sonhamos e queremos. Dessa forma, tem se mostrado como grande desafio a difícil
conciliação das exigências do convênio
com o tempo que uma gestão compartilhada requer; a conciliação do processo de prestação de contas das atividades
desenvolvidas com a fluidez e naturalidade que deveriam transcorrer as
atividades pedagógicas; a distância geográfica entre os membros que constituem
a equipe de gestão limitando a realização de momentos mais freqüentes para
discussão sobre a gestão compartilhada; a dinâmica financeira junto a outras
questões burocráticas do convênio; a dinâmica de funcionamento do coletivo
estadual que tem possibilitado uma participação fragmentada no processo de
gestão e gerando pouca consistência para a prática de uma gestão participativa
e presencial, pois acreditamos que se criando as condições necessárias para
que o coletivo estadual se reúna com mais freqüência e tempo, se avançaria um
pouco mais na prática e no fortalecimento da gestão compartilhada.
Apesar dos limites e desafios que nos
surgiram como parte de um processo pedagógico e que periodicamente se
apresentam como uma constante que se renova a cada desafio, inclusive nos
orientando e nos preparando para dar o passo seguinte, é que temos a convicção
de estarmos no caminho certo e que dessa experiência edificante e de resultados
já nos apontam para a colheita dos bons frutos até então produzidos.
O maior ensinamento que a prática da gestão
compartilhada nos traz é o sentimento de pertencer a um grupo, com identidade,
com valorização de cada educador, que promove a caminhada mediante os saberes
de cada um e cada uma que constroem a caminhada.
No plano estadual, estamos avançando a cada
dia, conscientes dos nossos limites e desafios, mas também confiantes de que
estamos no caminho certo. À luz das orientações vindas do CAMP e, sobretudo da
Entidade Âncora estadual, as equipes microrregionais ou locais vêm exercitando
nos últimos dois anos, a prática de uma gestão bem mais compartilhada e,
portanto, participativa. Educadores e educadoras contratados, com grande e
significativo apoio de educadores e educadores voluntários, conduzem todo o
processo de mobilização, organização e realização das atividades na base. Além
das atividades de formação pedagógica e de visitas aos grupos acompanhados, os
Encontros Intermunicipais também são organizados e realizados pelas equipes
locais, desde a sua mobilização, culminando com o processo de prestação de
contas da atividade. Vale ressaltar que as equipes locais, através de seus
planejamentos, possibilitam maior envolvimento e participação das pessoas,
tornando assim uma constante, a distribuição de tarefas e a construção coletiva
das ações.
Portanto, queremos reafirmar que a
perspectiva do processo de gestão compartilhada da Rede de Educação Cidadã no
estado do Piauí é aprimorar todo o
aprendizado adquirido e buscar cada vez mais enfrentar os desafios colocados
para nós no trabalho popular do dia a dia em busca do projeto popular de nação.
Abraços
Compartilhados
Coletivo
da RECID - PI
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