sexta-feira, 7 de março de 2014

SEGUNDA CARTA PEDAGÓGICA DE 2013 DA RECID PIAUI

Teresina, novembro de 2013. 

Queridos Recidianos, 

Isso mesmo, “queridos” de querer partilhar, somar e caminhar enredados, sonhando e construindo o sonho possível de ser realizado, esta carta é mais uma construída por muitas mãos, pés e porque não dizer por muitos corações. Caríssimos, por meio desta pretendemos partilhar/socializar um pouco do contexto político, econômico e social do Piaui, onde lançamos nossa REDE afora(ou adentro?),bem como nossa vivência em gestão compartilhada, resultados alcançados, limites/desafios enfrentados e tomara que consigamos colocar na escrita toda a riqueza vivenciada na experiência.

A parte de contextualização do estado tomamos emprestado da CARTA DO POVO DO PIAUÍ À SOCIEDADE E AOS GOVERNANTES, construída por muitas organizações (entre estas, a RECID-PI), por ocasião do 19º Grito dos Excluídos. Como segue abaixo.

O Estado do Piauí possui uma área territorial de 251.529 Km², com uma população de 3.145.325 habitantes e 224 municípios. O Estado é uma região de muitos contrastes, complexa culturalmente e socialmente e de muitas potencialidades econômicas: Rico em mineração – níquel, ferro, opala, diamante, vermiculita. Possui solos adequados para práticas agrícolas apropriadas, com rica biodiversidade da caatinga, na qual se destaca o elevado potencial de exploração e produção de alimentos. Potencial de irrigação dos vales úmidos, principalmente com a perenização dos rios e os açudes públicos com elevadas reservas de água e várias bacias hidrográficas (Poty, Pirangi, Parnaíba, Longá, Canindé, Gurguéia, Uruçuí Preto, Piauí, Itaim).  Há ainda a agroindustrialização de produtos como a castanha de caju, o mel de abelha e o criatório de rebanhos caprino, suíno, ovino, entre outros e, também, o turismo ecológico, cultural, religioso e as diversas práticas artesanais. Todas estas possibilidades não condizem com a situação que está vivendo o seu povo.

A seca no Piauí vitimiza um milhão de pessoas sem o acesso à água de qualidade e a garantia de alimentos.  Segundo a Defesa Civil e a Federação – FETAG, 192 municípios piauienses decretaram estado de emergência. E destes, 156 foram reconhecidos pelo Governo Federal. Perda de 95% da produção de alimentos e consequente falta de água para o consumo humano e animal gerando uma mortalidade de 40% do rebanho bovino, caprino e ovino do Piauí. Vivem hoje, no Piauí, 700 mil pessoas na situação de extrema pobreza, vivendo apenas com R$70,00 mensais (MDS).

O Piauí possui os mais altos índices brasileiros de analfabetismo: 47% da população. Sendo 22% que não sabem ler e escrever e 25% analfabetos funcionais. Destes, 24,37%, ou seja, 563 mil pessoas estão na faixa etária entre 18 a 25 anos. No Brasil, 16,7% da população não têm acesso à rede geral de água, esgoto e coleta de lixo.  No Piauí, esse número aumenta para 44,8% da população, o que, consequentemente, tem efeitos negativos na saúde e na qualidade de vida do povo. Apenas 17% da população de Teresina é atendida por rede de esgoto sanitário. A Assembleia Legislativa do Piauí tem 30 deputados, entretanto, com o jogo de cadeiras do poder político, o Estado arca com os custos de 44 parlamentares estaduais.

O desafio posto à sociedade consiste em pensar um novo referencial de GESTÃO DO ESTADO E DA APLICAÇÃO DOS RECURSOS PÚBLICOS, pois o modelo atual é gerador de maior concentração de riqueza e de renda, negação de direitos e injustiça.Os problemas do nosso Estado se sustentam em duas raízes comuns:a maioria da nossa gente não tem conhecimento do que está acontecendo e não tem uma educação política consciente para exigir seus direitos;a malversação dos recursos públicos e o desvio de finalidades por seus gestores públicos municipais, estaduais e federais.

Mantemos o nosso apoio e compromisso junto às pessoas excluídas, visando à formação da consciência crítica, o fortalecimento da mobilização social e a construção de uma identidade em comum na diversidade dos povos.  

VIVÊNCIA DA GESTÃO COMPARTILHADA 

Dentro do conjunto das ações na RECID-PI, temos exercitado a vivência de gestão compartilhada em três dimensões (política, pedagógica e econômica), mediante um processo que é vivenciado concretamente em quatro momentos:

1- Oficinas de Formação Pedagógica;
2- Encontros Intermunicipais;
3- Atividades de Acompanhamento aos grupos;
4- Fortalecimento das Articulações e Parcerias. 

Nas Oficinas de Formação Pedagógicas, acreditamos estar fazendo gestão compartilhada quando os grupos de base realizam o planejamento, decidem sobre as temáticas que constroem as agendas e têm autonomia para mudá-los.

Nos Encontros Intermunicipais, tais atividades são organizadas pelo coletivo local composto por educadores contratados, educadores voluntários, membros dos grupos de base e parceiros que juntos decidem, planejam, mobilizam e realizam o encontro.

Nas Atividades de Acompanhamento aos grupos, temos o espaço onde o compartilhado flui com mais naturalidade. Quase sempre é um momento para além do convênio e sem burocracia: são reuniões, assembléias, brechó, festejos, visitas domiciliares, vivência na comunidade, planejamento de manifestações, lutas dos grupos e parceiros.

O trabalho em parcerias é também um exercício de gestão política da RECID que os educadores incentivam no cotidiano das microrregiões buscando dinamizar e fortalecer o trabalho, estimulando o processo de sustentabilidade da Rede.

A Rede de Educação Cidadã no Estado do Piauí vem se aprimorando na prática de gestão compartilhada a partir da vivência do dia a dia. O esforço da construção coletiva tem sido constante em nossa caminhada. O envolvimento de educadores/as voluntários/as, desde o pensar, planejar e realizar juntos, facilita a distribuição de responsabilidades e compromissos, seja de natureza humana ou financeira. 

A descentralização das informações com realização de oficinas de GESTÃO COMPARTILHADA faz com que todos/as educadores/as voluntários e liberados se envolvam nos processos de participação na organização e realização das atividades, sobretudo nos encontros intermunicipais que acontecem nas 04 grandes microrregiões.

A esse jeito de gestar os recursos públicos e planejar coletivamente com responsabilidade, tem levado também à formação de um coletivo organizado e capaz de realizar atividades e processos além da meta estabelecida pelo convênio. É fundamental destacar a grande presença da Entidade Âncora Estadual com sua experiência e compromisso em todos os processos, através das reuniões de planejamento, monitoramento e avaliação do coletivo estadual. 

RESULTADOS OBTIDOS: 

A RECID PI considera que, mesmo diante das dificuldades surgidas na caminhada e dos inúmeros desafios enfrentados, conseguiu resultados significativos que merecem serem destacados, entre os quais: a teimosia e o esforço de educadores e educadoras, contratados/as e voluntários/as, fazendo avançar e buscando aprimorar a experiência e a prática de gestão compartilhada no Estado; o envolvimento de educadores/as, sobretudo voluntários/as desde o pensar, planejar e realizar juntos as ações representa grande manifestação de compromisso e de esperança e favorece a distribuição de responsabilidades e ainda a qualificação das ações desenvolvidas; a realização de oficinas de Gestão Compartilhada contribuiu para ampliar o quadro de educadores/as capacitados/as em práticas de gestão coletiva e contribuiu para garantir maior envolvimento dos/as mesmos/as no processo de mobilização, organização e realização das diversas atividades desenvolvidas pela rede; a elaboração do Caderno de Gestão do Estado, pela equipe de gestão estadual, com participação direta da Entidade Âncora Estadual e sua utilização pelas equipes microrregionais tem sido importante para melhorar a dinâmica da gestão e ainda para o fortalecimento do trabalho de base; a experiência de gestar os recursos públicos, planejando e executando coletivamente, transmite maior transparência, possibilitando uso mais racional dos recursos disponíveis, favorecendo a realização de mais ações, inclusive avançando além da meta estabelecida pelo convênio. Por último, faz-se necessário destacar como sendo de grande importância a presença efetiva da Entidade Âncora Estadual em todos os processos, com ênfase ao acompanhamento aos grupos e a participação nas reuniões e atividades de planejamento, monitoramento e avaliação das ações da rede no Estado. 

LIMITES E DESAFIOS: 

Como tudo que nasce, cresce e se desenvolve na perspectiva de prosperidade a exemplo desse nosso experimento gestado no seio de uma coletividade, vemos surgir na contramão dos resultados obtidos um natural ressurgimento dos limites e desafios que de uma forma didática nos aparecem seguidamente para nos pôr à prova daquilo a que nos desafiamos a construir mediante os diferentes saberes, que se convergem nas diversidades de tantos pensamentos que se fazem presentes. Dessa forma, tais limites e desafios se fazem úteis e com uma aceitação bastante didática quando assim o entendemos como elementos que nos convida a refletir sobre a superação das nossas dificuldades, de encará-los como sendo elementos positivos de um contexto que nos provoca, nos aprimoram e nos fortalece na prática cotidiana.

Fazendo-se necessário que compreendamos essa relação dialética entre limites e desafios, é que pudemos ao longo desse ano de 2013 refletir e perceber os focos de fragilidades presentes, mas também de resistência e de fortalecimento da nossa organização e luta para com o público ao qual nos dispomos a caminhar junto, sendo a juventude o público mais freqüente em todos os Microrregionais do Estado onde a Rede se faz atuante. Dessa forma, entendemos esses dois aspectos como sendo uma problematização de ideias e de conceitos que nos conduzem a um novo jeito de andar, de dar o próximo passo na perspectiva da superação das dificuldades, do envolvimento das partes e do fortalecimento da nossa organicidade refletida na ação cotidiana. A cada passo dado, percebemos a construção de uma caminhada movida por fortes utopias, porém com pés e mentes firmes, sinalizada por grandes avanços e por elementos que configuraram limitações, nos chamando a atenção para: garantir uma dinâmica de funcionamento para os Grupos de Trabalhos; promover uma consolidação do coletivo de entidades parceiras no Estado; garantir a sustentabilidade da Rede; entender as limitações apresentadas por uma gestão compartilhada; saber lhe dar com a baixa credibilidade que a população tem nos convênios governamental; adquirir uma maior atenção do Talher Nacional quanto ao acompanhamento ao Estado. Com essa amplitude de elementos que caracterizam nossas limitações, ficamos a nos questionar sobre até onde vão os nossos limites, de onde possam estar, e nem se o mesmo existe, pois a cada passo dado conseguimos avançar rumo a um horizonte que inclusive nunca alcançaremos, pois como nos diz Eduardo Galeano: isso é utópico, é isso que nos fortalece, pois permite o nosso ato de caminhar, desafiando limites e superando desafios.

Desafios estes que nos surgiram com a mesma intensidade e com a mesma importância para todos os que se disponibilizam a serem construtores de uma infindável caminhada, de quem conduz na esteira rolante da educação popular as ferramentas necessárias para romper com as amarras que travam o fortalecimento do projeto popular de nação ao qual sonhamos e queremos. Dessa forma, tem se mostrado como grande desafio a difícil conciliação das exigências do convênio com o tempo que uma gestão compartilhada requer; a conciliação do processo de prestação de contas das atividades desenvolvidas com a fluidez e naturalidade que deveriam transcorrer as atividades pedagógicas; a distância geográfica entre os membros que constituem a equipe de gestão limitando a realização de momentos mais freqüentes para discussão sobre a gestão compartilhada; a dinâmica financeira junto a outras questões burocráticas do convênio; a dinâmica de funcionamento do coletivo estadual que tem possibilitado uma participação fragmentada no processo de gestão e gerando pouca consistência para a prática de uma gestão participativa e presencial, pois acreditamos que se criando as condições necessárias para que o coletivo estadual se reúna com mais freqüência e tempo, se avançaria um pouco mais na prática e no fortalecimento da gestão compartilhada.

Apesar dos limites e desafios que nos surgiram como parte de um processo pedagógico e que periodicamente se apresentam como uma constante que se renova a cada desafio, inclusive nos orientando e nos preparando para dar o passo seguinte, é que temos a convicção de estarmos no caminho certo e que dessa experiência edificante e de resultados já nos apontam para a colheita dos bons frutos até então produzidos. 

O maior ensinamento que a prática da gestão compartilhada nos traz é o sentimento de pertencer a um grupo, com identidade, com valorização de cada educador, que promove a caminhada mediante os saberes de cada um e cada uma que constroem a caminhada.

No plano estadual, estamos avançando a cada dia, conscientes dos nossos limites e desafios, mas também confiantes de que estamos no caminho certo. À luz das orientações vindas do CAMP e, sobretudo da Entidade Âncora estadual, as equipes microrregionais ou locais vêm exercitando nos últimos dois anos, a prática de uma gestão bem mais compartilhada e, portanto, participativa. Educadores e educadoras contratados, com grande e significativo apoio de educadores e educadores voluntários, conduzem todo o processo de mobilização, organização e realização das atividades na base. Além das atividades de formação pedagógica e de visitas aos grupos acompanhados, os Encontros Intermunicipais também são organizados e realizados pelas equipes locais, desde a sua mobilização, culminando com o processo de prestação de contas da atividade. Vale ressaltar que as equipes locais, através de seus planejamentos, possibilitam maior envolvimento e participação das pessoas, tornando assim uma constante, a distribuição de tarefas e a construção coletiva das ações.

Portanto, queremos reafirmar que a perspectiva do processo de gestão compartilhada da Rede de Educação Cidadã no estado do Piauí é aprimorar todo o aprendizado adquirido e buscar cada vez mais enfrentar os desafios colocados para nós no trabalho popular do dia a dia em busca do projeto popular de nação. 

Abraços Compartilhados 

Coletivo da RECID - PI

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