segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

CARTA PEDAGÓGICA DA RECID - PI / 2012

Caros educadore(a)s do Piauí e do mundo,

A Recid-PI é um coletivo de organizações sociais populares que tem como principal missão a mobilização e formação de grupos. Ela atua prioritariamente em quatro grandes regiões do estado cujo público principal são os empobrecidos do campo e da cidade.
Enquanto ator social comprometido com a construção de um novo homem e de uma nova mulher bem como de um novo mundo, a Recid-PI vem consolidando duas grandes linhas de atuação no nosso estado: a formação continuada das pessoas e grupos acompanhados, e, o trabalho de mobilização da rede de movimentos sociais parceiros. As duas linhas são frutos de um trabalho de construção coletiva onde equipe de educadores e voluntários define em conjunto temas, processos, grupos prioritários, metodologias, avaliação etc.
O público principal de nosso trabalho de formação tem sido as juventudes e grupos comunitários (associações e coletivos comunitários). A metodologia de trabalho é norteada pela concepção da educação popular: parte da compreensão e escuta acerca da realidade dos grupos, mobiliza a discussão e reflexão, desafia os grupos a enfrentarem as questões propostas, e, à medida que se desenvolvem as ações reflete sobre esse processo de luta e os caminhos trilhados.
        Nosso trabalho educativo dialoga com um contexto social, político e econômico bem particular neste ano de 2012. O modelo desenvolvimentista defendido pelos últimos governos estaduais tem se intensificado – os grandes projetos (Terra Cal, por exemplo, na área de produção agrícola – cana-de-açúcar, cacau, tomate – no sul do estado). O governo atual tem reforçado a política desenvolvimentista dos últimos anos de apoiar os grandes projetos que, por sua vez, desprotege ainda mais a agricultura familiar: esta é deixada à margem e com reduzidos recursos. As juventudes e famílias são expulsas de suas terras: a gestão desigual dos recursos hídricos e de terra desprotege a produção agrícola familiar. No mesmo sentido, a falsa promessa de desenvolvimento e os empregos temporários favorecem a desagregação das unidades produtoras familiares.
O processo político-eleitoral deste ano mais uma vez demonstrou-se conservador e clientelista. Ao mesmo tempo, o acirramento da seca e de suas consequências cruéis (fome, sede, êxodo rural etc.) fortaleceu um quadro difícil para os pobres e marginalizados piauienses.
Neste contexto, ressalta-se também a mobilização das famílias e comunidades na luta por acessar as políticas compensatórias para lidar com a seca (a maior nos últimos cinquenta anos).
Noutra direção, o Fórum Piauiense de Convivência com o Semi-Árido vem se contrapondo a esse modelo opressor: gritos, marchas, passeatas, audiências públicas etc. vêm se constituindo em mecanismos de denúncias e lutas pela transformação dessa dura realidade.
Diante dessa conjuntura, uma das principais orientações que tem primado nosso trabalho é o exercício de planejar coletivamente. Ao mesmo tempo, este planejamento é monitorado e avaliado também por nosso coletivo.
Nossas ações estão organizadas com o intuito de formação de nossas bases. No aditivo de 2012, foram 73 oficinas que discutiram, principalmente, sobre “voto consciente”, “políticas públicas”, “combate à pobreza e à miséria”, “economia solidária”, “organização comunitária”. Também neste ano realizamos o segundo curso de educadores jovens rurais, iniciamos o curso sobre realidade brasileira além de quatro encontros intermunicipais. Nestes últimos foram destaques os temas “enfrentamento da pobreza e miséria”, “Estado democrático” e “metodologia de educação popular”.
Sobre os grupos acompanhados, destacamos os de jovens, mulheres e agricultore(a)s. A maioria do público jovem acompanhada pelas ações formativas da rede é beneficiada dos programas de distribuição de renda do governo federal o que vem demonstrar a estreita relação entre nossa proposta formativa e o atendimento dos oprimidos brasileiros. Também tem-se observada uma forte participação do público juvenil feminino, além de ser, na sua grande maioria, composto por estudantes. A identidade dos jovens passa também por sua vinculação familiar o que tem facilitado nosso processo de compreensão da realidade das comunidades e de comunicação com seus atores.
As mulheres e agricultore(a)s são, no seu grande número, compostos por analfabetos funcionais. Nesta mesma direção, as mulheres acumulam uma dupla jornada de trabalho (ao tempo que são oprimidas pelo machismo vêm lutando por relações de igualdade entre os gêneros) e, em geral, são as maiores animadoras das comunidades. Elas também são as grandes protagonistas da economia solidária.
Quanto aos agricultores, o foco tem sido a agricultura familiar, linhas de crédito, políticas de convivência com o semi-árido. Muitos são de assentamentos (crédito fundiário e Incra) e integrados aos STTRs. A Recid tem investido na formação política desse(a)s trabalhadore(a)s rurais. A migração sazonal tem sido uma característica do grupo de agricultores: deslocam-se para os grandes centros, trabalham e retornam quando adquirem o direito ao seguro-desemprego. E, quando retornam, perdem o reconhecimento como trabalhador rural para a previdência social.
O esforço da construção coletiva tem sido uma constante em nossa caminhada. Por meio da gestão compartilhada e planejamento conjunto tem sido possível encampar a “luta pelo voto consciente”, “campanha em defesa das terras, das águas e dos povos do Piauí”, “a semana da pátria” e os debates sobre o estado democrático, os espaços de formação continuada que acabam levando a uma participação das juventudes.
A gestão compartilhada e o planejamento coletivo têm levado também à formação de um coletivo organizado e com forte participação dos educadores voluntários, com reuniões periódicas e participação consistente da entidade âncora estadual. Importante destacar que essa forma de gestão compartilhada favoreceu a realização do I Encontro da Juventude do Piauí e do Informativo da Recid-PI. Estes fatos vêm destacar a atuação dos grupos de trabalho da Recid (gestão, pedagógico, juventude, comunicação). O blog tem evidenciado as várias iniciativas de gestão compartilhada de nosso coletivo.
Os processos de formação continuada vêm se consolidando pela realização do curso de educadores jovens rurais e o curso sobre realidade brasileira. Os encontros microrregionais são outros espaços de debate e formação além da troca de experiências e saberes. Além disso, apresentam-se como espaço de divulgação e atração de novos atores sociais para o trabalho em rede.
As oficinas com temáticas específicas, voltadas para os interesses pontuais dos grupos, também são momentos de formação e motivação para a atuação política dos participantes. Já tem havido um entendimento e uma prática do coletivo em torno da continuidade do processo formativo. As oficinas têm mobilizado coletivos para a caminhada da educação popular.
        Ao relatar estes avanços, faz-se importante também refletir sobre os limites e dificuldades de nossa caminhada:
·         A dinâmica financeira e outras questões burocráticas do convênio vêm se mostrando como dificuldades que nos desafiam cotidianamente;
·         O caráter contraditório do “pé dentro” e do “pé fora” da RECID;
·         Realização de parcerias com divisão de responsabilidades, sobretudo com o poder público;
·         Migração forçada principalmente pela juventude rural;
·         A comunicação ainda precária em algumas regiões (muitos educadores e educadoras ainda sem acesso a uma comunicação mais eficaz);
·         Construção de uma agenda comum de educadores e educadoras, de modo particular quando se exige a participação das pessoas voluntárias;
·         A continuidade de animação e mobilização dos coletivos acompanhados com os intervalos entre um convênio e outro;
·         Espaços mais permanentes de estudo, reflexão e formação para os educadores e educadoras, sobretudo voluntário(a)s.
Quanto aos próximos desafios, queremos ressaltar a importância de aprimorar a atuação dos grupos de trabalho para dar conta de uma atuação coletiva e com resultados maiores.
Outro desafio diz respeito à consolidação de nosso coletivo que ainda carece de uma maior representatividade diante do trabalho diversificado realizado nas microrregiões. Para realizar as oficinas consegue-se mobilizar um conjunto de parceiros pontuais, mas, de fato, ainda é forte a ausência dos parceiros no processo de gestão, planejamento e avaliação da rede.
Devemos também estar atentos à necessidade de sistematização de saberes e experiências. O ativismo tem sufocado as possibilidades de um registro mais sistemático de nossas caminhadas.
        Outro aspecto que desejamos ressaltar diz respeito às perspectivas. Primeiro, a formação continuada. Com o próximo convênio, previsto para dois anos contínuos, sinaliza-se positivamente para a construção de um processo de formação continuada mais consistente.
        Temos em vista também a constituição de grupos de educadores consolidados nas microrregiões o que fortalecerá o coletivo estadual. No mesmo sentido, os grupos de trabalho, principalmente, o da juventude, possuem fortes perspectivas de desenvolvimento de sua atuação nos próximos dois anos.
        A equipe de educadores já conhece o processo de educação popular no Piauí. A perspectiva de permanência de uma mesma equipe pode ser algo positivo para a trajetória. No mesmo sentido, a continuidade da entidade âncora pode significar uma caminhada mais segura e estável.
        Educadores e educadoras do Piauí, esta carta descreve elementos importantes que observamos na nossa caminhada durante o ano de 2012. Esperamos que suas análises e provocações contribuam com a ampliação de nosso trabalho reflexivo e também com nossas lutas. A caminhada é longa, pesada e desafiadora. Assim, devemos estar conscientes de nossas ações, firmes nos nossos propósitos e críticos sobre nossas estratégias.

(Coletivo Estadual da RECID PIAUI)

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