quinta-feira, 16 de agosto de 2012

CARTA PEDAGÓGICA DA RECID PIAUI

Teresina-PI, julho de 2012.

"Onde quer que haja mulheres e homens,
há sempre o que fazer, 
há sempre o que ensinar,
há sempre o que aprender”.
(Paulo freire)
Caríssimas (os),
Companheiros e companheiras,

A vivência e atuação em rede para nós recidianos piauienses tem sido um ensinar e aprender, um construir, desconstruir, e reconstruir, um fazer, desfazer e refazer. Ora tecendo, ora destecendo, ora conectando, ora desconectando e reconectando. Ora mobilizando, ora sendo mobilizados, ora apoiando, ora sendo apoiado.  Ora lançamos a rede, suamos, cansamos e queremos balançar, nos aconchegar na rede, mas nem sempre podemos balançar, e nos aconchegar.
É neste suar, cansar e querer balançar que a gente vem passo a passo buscando realizar nossos objetivos, perseguindo nossos sonhos coletivos e objetivos de ser feliz um dia. Neste solo piauiense, solo rico de povo empobrecido, mas corajoso e lutador, empobrecido sim, não por preguiça ou por incapacidade, mas por ganância e má vontade política dos poderes constituídos. Lugar rico em: recursos hídricos no subsolo, minérios, cobertura vegetal e terras tanto em quantidade quanto em qualidade produtiva.

A RECID Piauí refletindo sobre a sua caminhada do primeiro semestre de 2012 traz um olhar crítico e realista de educadores e educadoras com relação ao processo de trabalho desenvolvido nas microrregiões do Estado.
Atenta ao contexto social, político, econômico e cultural do Estado, a pratica das nossas ações traz presente elementos gerados a partir das experiências vividas com os diferentes grupos/sujeitos que contribuíram com a identidade da rede.
Desta forma, destacamos aspectos que retratam o cenário do Estado em sua conjuntura política, econômica, social e religiosa bastante desafiadora e desfavorável à construção do projeto popular de nação. Por um lado Alguns Grupos políticos não se colocam a serviço de um desenvolvimento social e humano, mas sim de um desenvolvimento econômico que privilegia as grandes empresas e ao modelo capitalista, bem como aos seus interesses pessoais.
Destacamos ainda, outros aspectos que não contribuem para o processo de construção do projeto popular, como a fragmentação e fragilidade dos movimentos na luta que se segue individualizada alimentando um cenário político que não traz muitas expectativas favoráveis, sobretudo com relação às lutas pelas políticas publicas.

Nesse contexto, lembramos da forte dependência financeira e falta de autonomia das ONGs, que tem gerado conflitos, interesses, submissão à implementação a projetos que fogem dos seus princípios, sobretudo quando se relaciona ao recebimento de recursos públicos, fato que tem colaborado para a desqualificação quanto ao papel de algumas entidades.
No tocante às parcerias, percebe-se uma mudança de posturas e prioridades de grupos de uma relação antes consolidada, como o distanciamento dos segmentos religiosos com reflexos gerados sobretudo na diminuição das ações das pastorais sociais, demonstrado uma forte conseqüência no enfraquecimento dos processos de formação vivido ao longo de décadas.
Os meios de comunicação de massa contribuem para uma pratica alienante, um convite ao comodismo e consumismo, causando interferências direta no contexto comunitário, familiar e cultural, culminando com a sua desestabilização. Essa realidade vem sendo combatida pela ação dos processos de formação com ação relevante dos educadores e educadoras populares e outras iniciativas como o blog da RECID, o informativo e a disposição dos voluntários que tem contribuído para o fortalecimento e sustentação das ações da rede.

Nesse propósito de fortalecimento, outras ações e relações vem sendo desencadeadas no conjunto da rede, como a aproximação com as universidades, a resistência e persistência da ação juvenil e a participação da entidade âncora estadual, que muito tem colaborado nos processos de desburocratização e no seu compromisso com a rede.
Com relação aos processos desencadeados/desenvolvidos pela rede ao longo dessa caminhada, enfatizamos as mobilizações e manifestações populares, como a Semana Social Brasileira, a Campanha em defesa da Terra, da Água e dos povos do Piauí, o amadurecimento da comunicação e da gestão compartilhada, a ampliação e fortalecimento das parcerias, o fortalecimento de grupos da agricultura familiar, os processos de formação das juventudes e o fortalecimento da identidade, organicidade e autonomia dos grupos.
Quanto aos grupos acompanhados em nossos processos formativos e pedagógicos, citamos os grupos organizados da juventude do campo e da cidade, e outros segmentos como grupo de agricultores familiares, mulheres, hip hop e artesãos que fazem acontecer o conjunto das lutas, dentre elas o fortalecimento da luta pelo Estado democrático, ressaltando a defesa da ética e da participação cidadã, os fóruns de economia solidaria, do semi-árido e das pastorais sociais.

Como proposta de formação continuada, é importante lembrar que a construção de nossas temáticas de discussão nasceram dos grupos e das reflexões construídas coletivamente. Os temas nascem das lutas e desafios dos movimentos sociais em processo de formação, organização e luta social.
Nessa caminhada de 2012, priorizamos alguns temas que foram trabalhados em nossos momentos de formação (oficinas, cursos, encontros microrregionais). Primeiramente, destacamos a questão da educação popular na perspectiva de Paulo Freire. Procurou-se trabalhar a pedagogia freireana do ponto de vista dos conteúdos de sua teoria, mas também suas metodologias.
Outro tema forte em nossos encontros de formação é a juventude, principalmente, a juventude rural. Um segmento forte que compõe a rede é a juventude. De outro modo, a própria juventude é protagonista importante na luta pela construção de um Brasil Popular: ao construirmos com a juventude estamos construindo um processo sólido de conscientização e transformação social.
O fortalecimento do trabalho de base tem sido outra prioridade porque a transformação vem da elevação da consciência dos movimentos, de sua articulação e de suas lutas. Quanto mais a rede articula-se e reflete sobre os movimentos de base mais forte transforma-se seu processo pedagógico e político (esta é a prioridade do trabalho em rede).
A miséria e pobreza têm se colocado como outro tema recorrente nos processos educativos da rede. A própria realidade nordestina, piauiense e do povo camponês exige de nossos coletivos uma reflexão mais aprofundada sobre a miséria e pobreza no Brasil. Do mesmo modo, essa reflexão é importante para discutirmos as políticas públicas de superação da fome e da pobreza. Nossos coletivos vêm exigindo de todos nós uma compreensão mais clara sobre a situação de pobreza e miséria e sobre como as políticas públicas atuam: estas apenas se colocam como paliativos – bolsas, carros-pipa, barragens etc.? Até que ponto as políticas de governo contribuem com transformações estruturais que superam a pobreza nordestina?

A discussão acerca dos processos de controle social e das políticas públicas tem sido outra tônica. Por quê? Precisamos saber como se organizam os mecanismos de controle social, quais são os direitos do povo brasileiro e as obrigações do Estado, e, como se formatam as políticas públicas sociais. A discussão acerca da gestão pública e de como os movimentos sociais se inserem na luta por melhores políticas é fundamental para minimizar as pobrezas no Brasil.
Importante lembrar que essas temáticas necessitam de um suporte pedagógico que as façam vivas na luta popular. Precisamos fazer uma educação popular que contribua no processo de construção de sujeitos protagonistas de suas histórias. Por essa razão, os temas não se separam dos processos de luta e reflexão. Assim, são princípios norteadores de nosso processo pedagógico:
Escuta dos sujeitos históricos;
Consideração das realidades vividas tanto como provocadoras de lutas como de novos conhecimentos: precisamos conhecer as realidades onde estão inseridos os movimentos e que provocações de lutas elas nos desafiam;
As lutas são carregadas de uma intencionalidade libertadora;
Na construção de um mundo livre de opressões e misérias, os sujeitos devem se colocar como protagonistas das transformações. Somos nós os responsáveis pela construção de um mundo novo;
As experiências vividas são fonte de aprendizagens e motivadoras de novas lutas: nossa metodologia tem priorizado os diálogos entre os participantes sobre nossas experiências como parâmetro de conhecimento e estimuladoras da luta social;
Outro princípio fundamental é a vivência da mística que anima nossas práticas.

A caminhada dos movimentos que compõem a RECID-PI é feita entre dificuldades e limites que precisamos tomar consciência para orientar as melhores escolhas e a vivência de caminhos possíveis.
Um primeiro limite identificado está na própria relação que a RECID mantem com o governo (aquilo que popularizou-se como “pé dentro, pé fora”). A dependência dos recursos federais que sustentam as oficinas, a periodicidade dos convênios (com intervalos de tempo indefinidos entre um convênio e outro que dificultam o acompanhamento contínuo dos grupos), o modelo de gestão e seu formato de prestação de contas são alguns dos aspectos que explicam essa dificuldade de continuidade de nosso processo de educação popular.
Essa dificuldade leva-nos a pensar sobre a sustentabilidade da própria rede: como iremos dinamizar nosso projeto de construção de um Brasil popular sem os recursos do Talher Nacional? Como as entidades e movimentos sociais mobilizados continuarão no trabalho em rede independente dos repasses financeiros federais?
Outro desafio ou dificuldade é a própria construção de nossa identidade (como nos representamos como Rede de Educação Cidadã?). Além dos documentos e projetos explicativos, na realidade, somos uma articulação de movimentos sociais como a própria palavra “rede” sugere? Ou somos uma “entidade” que busca mobilizar e articular outros agentes de transformação social? Que sentimento de pertencimento temos em relação à RECID? Afinal, somos “recidianos” ou atores sociais, de movimentos distintos, comprometidos com a construção de um projeto popular no Brasil?

A relação entre as entidades âncoras estaduais e a nacional tem sido um grande desafio para o processo de gestão dos recursos. As novas exigências do governo federal para a prestação de contas, o relacionamento administrativo entre a âncora nacional e as entidades estaduais tem se burocratizado e dificultado a gestão estadual, as relações entre os grupos de trabalho de comunicação e pedagógico e a entidade âncora nacional tem se mostrado insatisfatórias.
Por fim, ainda sobre nossas dificuldades/desafios há a própria sistematização do processo educativo da RECID-PI. A principal dificuldade é a priorização e a falta da prática da sistematização.
Concluímos nossa carta com o registro de nossos principais aprendizados. Iniciamos pelo reconhecimento de que temos avançado na relação com os movimentos sociais pela construção coletiva de atividades (planejamento, execução e avaliação) e ampliação da rede de movimentos articulados.
No ano de 2012, consolidamos também um aprendizado muito caro à nossa jornada: uma reflexão crítica sobre nossas escolhas e trajetórias pedagógicas. Nossos encontros microrregionais foram fóruns privilegiados de discussão e sistematização de nossas caminhadas pedagógicas.
Temos aprimorado também nosso processo de gestão que se torna mais transparente, claro e eficiente. A participação do coletivo da RECID-Piauí tem sido fundamental na consolidação de uma gestão participativa e legítima.
O desenvolvimento da metodologia de trabalho da rede vem destacando a construção coletiva, o respeito às diferenças, a liberdade de participação bem como definição mais clara do trabalho em parceria.

Por fim, queremos destacar a força educativa da mística vivida no cotidiano de nossas ações. A mística congrega, anima e fortalece nossas esperanças, sonhos e utopias.
Com a convicção de que a RECID-PI é um processo dinâmico e possível de ser vivido é como diz Brito: “Importa pensar e agir, na dimensão do movimento em movimento como é a realidade: sempre em movimento”. E lembrar a cantora popular Elis Regina: “Vivendo e aprendendo a jogar, nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar”.

(Educadores e Educadoras da RECID PIAUI)


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